A indústria da multa no Brasil

0
697
Em seu relacionamento interpessoal ou em seu comportamento como cidadão, tenha cuidado para não provocar uma multa.
A sua picada é tão antiga e dolorosa quanto a da serpente.
Fixar e aplicar multas no Brasil é uma prática que remonta aos tempos do Império, embora durante algum tempo, na transição do império para a república, tenha deixado de vigorar, voltando depois a ser instituída graças a uma impiedosa e implacável legislação que beneficia o poder em detrimento do cidadão comum.
Vamos aos fatos:
Enquanto eu aguardava o ônibus numa das paradas da cidade, um cidadão começou relatar aos que ali se encontravam um fato curioso relacionado com a justiça do trabalho.
Ele dizia que um amigo, desempregado, fizera uma reclamatória trabalhista e ganhara uma sentença favorável na justiça.
Informado por seu advogado de que ganhara a causa, contraiu um empréstimo contando com o dinheiro daquela indenização.
Mas a parte contrária contestou e o autor acabou perdendo a causa.
A este cidadão que relatava o fato, embora não fosse mais do que uma testemunha do reclamante, pareceu injusta a decisão final. E, num momento de descontrole emocional, teve infelicidade de extravasar sua indignação na presença da autoridade judicial, sendo multado, por isso, em dois mil e quinhentos reais.
-x-
Um humilde guardador de carros e morador de rua foi detido por policiais militares, com os quais discutiu em função de estar trabalhando sem a devida licença do poder público.
Por ser reincidente, e por haver discutido com os policiais, sua atitude foi considerada como de desobediência e desacato à autoridade.
Sem outro ganho do que o recebimento de gorjetas espontâneas dos donos dos carros que cuidava, foi-lhe concedido pelo ministério público o prazo de dois meses a fim de reunir dinheiro para pagar uma multa arbitrada em dois salários mínimos, em cestas básicas, a serem entregues a uma instituição social de caridade.
x-
E agora um caso de indenização pecuniária ocorrido há mais de cem anos, na comarca de Rosário do Sul, com a bisavó de um saudoso amigo santanense.
De sua bisavó, que tinha sido escrava de um capitão da guarda nacional em Rosário do Sul, ele guardava cuidadosamente um documento em caligrafia, que um dia me mostrou, e que dizia mais ou menos o seguinte:
“O Senhor ***, Capitão da Guarda Nacional, autoriza sua escrava fulana a esmolar na via pública para arrecadar a quantia necessária ao pagamento de sua liberdade. Freguesia de Rosário do Sul, aos tantos dias do mês tal de 1.8 ….”
O documento estava devidamente chancelado.
-x-
Portanto, sobre as remotas origens da indústria da condenação pecuniária e a legitimidade histórica de sua aplicação pelo Estado ao cidadão comum, não precisamos dizer mais nada.
Mas se esta prática sobre alvo socialmente indiscriminado é justa ou injusta, eis uma questão a ser examinada e discutida pela sociedade e a legislação reformulada, porque a diferença de uma multa paga por um cidadão de bem e a paga por um criminoso, um sonegador de impostos ou um ladrão do erário público, é que a multa do cidadão de bem é paga com o seu próprio dinheiro, fruto do seu trabalho, suor e sacrifício pessoal, enquanto que a multa do criminoso, desonesto, corrupto e ladrão, é paga com o dinheiro dos outros.

DEIXE UMA RESPOSTA