Um Pobre Homem … (conto)

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Olhando-me com uma expressão interrogativa, pois eu também olhava para ele desde uma das filas da agência centro do Banco do Brasil em Porto Alegre, o velho homem de terno marrom deu meia volta e, apoiando-se numa bengala, saiu pela porta.
Daí a meia hora, depois de ser atendido, também saí e me encaminhei para os lados da Praça da Alfândega.
Eram 11:55 hs de uma ensolarada manhã de primavera, corria uma brisa morna pelo centro da capital e o dia estava agradável.
Sentado num dos bancos da praça da Alfândega, a dez passos de mim, avistei o homem com a sua bengala, seu velho terno marrom , camisa escura , gravata e chapéu.
Aproximei-me e ele levantou os olhos que estavam fixos no calçamento, mas desta vez para me olhar de modo inexpressivo, como quem olha para uma pessoa qualquer desconhecida …
Ao seu lado no banco havia uma sacola de cartão onde se liam, em letras graúdas, as iniciais D.M.
Eu me aproximei e dei-lhe boa tarde, pois já passava do meio dia, e lhe disse:
— O senhor desistiu de ficar na fila ?
Ele respondeu ao meu “boa tarde” e, me olhando sério, acrescentou:
— Sabe, aos 73 anos estou velho para entrar numa fila de banco, e ninguém tem consideração conosco quando passamos dos 70. Além disso, não gosto de pedir favores.
Nesse tempo, final da década de 60, ainda não havia o estatuto da terceira idade e os mais velhos não tinham o amparo da lei. Salvo por bom senso e educação das demais pessoas, os idosos não possuíam nenhum privilégio ou direito preferencial para serem atendidos em primeiro lugar nos bancos ou repartições.
— Pois é — lhe disse –, vi o senhor desistir e sair do Banco.
— E também queria fumar um cigarrinho …
— Posso lhe ajudar em algo?
— Acho que não. Vou respirar um pouco de ar puro; depois retorno e entro numa das filas. Mas por que veio falar comigo?
— Achei que talvez o conhecesse. É parecido com meu pai.
— Como se chama?
— Luciano.
— E o sobrenome …
— Machado.
— Também sou Machado. Como se chama o seu pai.
— Vergilino.
— De onde ele é?
— De Camaquã.
— Podemos ser parentes. Sou de Quaraí, mas tenho uns primos lá em Camaquã. Você gosta de ler ?
— Sim.
— Então vou lhe dar um livro de presente.
E retirando da sacola um exemplar do seu livro “Um Pobre Homem”, escreveu a seguinte dedicatória.
“Para o Luciano, com amizade e apreço. Porto Alegre-RS, 31 de outubro de 1968. D.M.”
Depois disso não o vi mais e voltei para Livramento. Dyonélio Machado morreu aos 90 anos, em 1985.

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